Assessores técnico-pedagógicos de Língua Portuguesa

"A educação é um processo social, é desenvolvimento. Não é a preparação para a vida, é a própria vida." John_Dewey



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Diretoria de Ensino Fundamental

Este é um espaço especialmente destinado para os professores de Língua Portuguesa, da rede Municipal de São Vicente, para que possamos compartilhar conhecimentos e refletir sobre nossa prática docente.

28 de fevereiro de 2011

Sequência Didática - Crônica - parte II


MÓDULO 1- CONTEXTO DE PRODUÇÃO

I. Leitura de crônicas.
 A cadeira do dentista
            Fazia dois anos que não me sentava numa cadeira de dentista. Não que meus dentes estivessem por todo esse tempo sem reclamar um tratamento. Cheguei a marcar várias consultas, mas começava a suar frio folheando velhas revistas na ante-sala e me escafedia antes de ser atendido. Na única ocasião em que botei o pé no gabinete do odontólogo – tem uns seis meses -, quando ele me informou o preço do serviço, a dor transferiu-se do dente para o bolso.
            - Não quero uma dentadura em ouro com incrustações em rubis e esmeraldas – esclareci -, só preciso tratar o canal.
            - É esse o preço de um tratamento de canal!
            - Tem certeza? O senhor não estará confundindo o meu canal com o do Panamá?
            Adiei o tratamento. Tenho pavor de dentista. O mundo avançou nos últimos 30 anos, mas a Odontologia permanece uma atividade medieval. Para mim não faz diferença um “pau-de-arara” ou uma cadeira de dentista: é tudo  instrumento de tortura.
            Desta vez, porém, não tive como escapar. Os dentes do lado esquerdo já tinham se transformado em meros figurantes da boca. Ao estourar o pré-molar do lado direito, fiquei restrito à linha de frente  para mastigar maminhas e picanhas. Experiência que poderia ter dado certo, caso tivesse algum jeito para esquilo.
            A enfermeira convocou-me na sala de espera. Acompanhei-a, após o sinal-da-cruz, e entramos os dois no gabinete do dentista, que, como personagem principal, só aparece depois do circo armado.
            - Sente-se – disse ela, apontando a cadeira.
            - Sente-se a senhora – respondi com educada reverência -, ainda sou do tempo em que os cavalheiros ofereciam seus lugares às damas.
            Minhas pernas tremiam. Ela tornou a apontar para a cadeira.
            - O Senhor é o paciente!
            - Eu?? A senhora não quer aproveitar? Fazer uma obturaçãozinha, limpeza de tártaro? Fique à vontade. Sou muito paciente. Posso esperar  aqui no banquinho.
            O dentista surgiu com aquele ar triunfal de quem jamais teve cárie. Ah! Como adoraria vê-lo sentado na própria cadeira extraindo um siso incluso! Mal me acomodei e ele já estava curvado sobre a cadeira, empunhando dois miseráveis ferrinhos, louco para entrar em ação. Nem uma palavra de estímulo ou reconforto. Foi logo ordenando:
            - Abra a boca.
            Tentei, mas a boca não obedeceu aos meus comandos.
            - Não vai doer nada!
            - Todos dizem a mesma coisa – reagi. – Não acredito mais em vocês!
            - Abra a boca! – insistiu ele. Abri a boca. Numa cadeira de dentista sinto-me tão frágil quanto um recruta diante do sargento do batalhão.
            Ele enfiou um monte de coisas na minha boca e tocou o dente com um gancho.
            - Ta doendo?
            - Urgh argh hogli hugli.
            Os dentistas são tipos curiosos. Enchem a boca da gente de algodão, plástico, secadores, ferros e depois desandam a fazer perguntas. Não sou daqueles que conseguem responder apenas movendo a cabeça. Para mim, a dor tem nuances, gradações que vão além dos limites de um sim-não.
            - A anestesia vai impedir a dor – disse ele, armado com uma seringa.
            - E eu vou impedir a anestesia – respondi duro segurando firme no seu pulso.
            Ele fez pressão para alcançar minha pobre gengiva. Permaneci segurando seu pulso. Ele apoiou o joelho no meu baixo ventre. Continuei resistindo, em posição defensiva. Ele subiu em cima de mim. Miserável! Gemi quase sem forças. Ele afastou a mão que agarrava seu pulso e desceu com a seringa. Lembrei-me  de Indiana Jones e, num gesto rápido, desviei a cabeça. A agulha penetrou na poltrona. Peguei o esguichador de água e lancei-lhe um jato no rosto. Ele voltou com a seringa.
            - Não pense que o senhor vai me anestesiar como anestesia qualquer um – disse, dando-lhe um tapa na mão.
            A seringa voou longe e escorregou pelo assoalho. Corremos os dois para alcançá-la, caímos no chão, embolados, esticando os braços para ver quem pegava a seringa. Tapei-lhe o rosto com meu babador e cheguei antes. A situação se invertera: eu estava por cima.
            - Agora sou eu quem dá as ordens – vociferei, rangendo os dentes. – Abra a boca!
            - Mas ... não há nada de errado com meus dentes.
            - A mim você não engana. Todo mundo tem problemas dentários. Por que só você iria ficar de fora? Vamos, abra essa boca!
            - Não, não, não. Por favor – implorou. – Morro de medo de anestesia.
            Era o que eu suspeitava. É fácil ser corajoso com a boca dos outros. Quero ver continuar dentista é na hora de abrir a própria boca. Levantei-me, joguei a seringa para o lado e disse-lhe, cheio de desprezo:
            Você não passa de um paciente!

Carlos Eduardo Novaes
(In: A cadeira do dentista – Para gostar de ler 15. 8ª. Ed. São Paulo: Ática, 2009. p.53-5.)

Professor, o objetivo desse módulo é fazer o aluno ter contato com crônicas.
Pedir aos alunos que pesquisem crônicas e tragam para a aula. O professor também deve trazer textos.

Agora responda:
1.      Quem o escreveu?
Carlos Eduardo Novaes.

2.      Quem seriam os possíveis destinatários deste texto?
Estudantes.

3.      Que fato deu origem ao texto que você leu?
O medo que as pessoas têm do dentista.

4.      Como você caracterizaria esse fato? Assinale:

(    ) Um acontecimento de grande importância para todos os leitores.
( x ) Um fato real, corriqueiro, que ocorreu na época em que o texto foi produzido.
(    ) Um acontecimento trágico, catastrófico, que mereceu destaque em todos os meios de comunicação.


5.      Qual é o suporte desta crônica?
Livro.

6) Agora retorne ao texto “A bola nova” .

6.      Quem o escreveu?
Luis Fernando Veríssimo.

7.      Quem seriam os possíveis destinatários daquele texto?
Leitores de jornais.

8.      Que fato deu origem ao texto?
As críticas em relação à cor da nova bola de futebol.

9.      Como você caracterizaria esse fato? Assinale:

(    ) Um acontecimento de grande importância para todos os leitores.
( x ) Um fato real, corriqueiro, que ocorreu na época em que o texto foi produzido.
(    ) Um acontecimento trágico, catastrófico, que mereceu destaque em todos os meios de comunicação.

10.  Qual é o suporte daquela crônica?
Jornal Gazeta do Povo.

Professor, pedir aos alunos que leiam as crônicas que pesquisaram e respondam novamente a essas questões, com o objetivo de compreenderem de maneira significativa o contexto de produção.

SALVO PELO FLAMENGO

Desde garotinho que não sou Flamengo, mas tenho pelo clube da Gávea uma dívida séria, que torno pública neste escrito. Em 1956, passei uma semana em Estocolmo, hospedado em um hotel chamado Aston. Era primavera, pelo menos teoricamente, havia um congresso internacional na cidade, os hotéis estavam lotados, criando contratempos para turistas do interior ou estrangeiros. A recepção do Aston, por exemplo, vivia sempre cheia de gente implorando por um quarto ou discutindo a respeito de uma reserva feita por telegrama ou telefone.
Estava há dois ou três dias na cidade, quando me pediram para receber um brasileiro e encaminhá-lo ao hotel, onde lhe fora reservado de fato um apartamento. Era uma hora da madrugada quando entramos no hotel e me encaminhei até o empregado do balcão, dando-lhe o nome do meu amigo e lembrando-lhe a reserva. O funcionário, homem de uns sessenta anos e de uma honesta cara escandinava, tomou uma atitude estranha e difusa, que a princípio me surpreendeu e ia acabando por me indignar: ele não confirmava a existência da reserva, nem deixava de confirmar. Como começasse a protestar, vi que seu rosto tomava uma expressão aflita; eu entendendo cada vez menos. Quando passei a exigir o apartamento com alguma energia, o homem, trêmulo, nervoso, pediu-me desculpas e trouxe afinal a ficha de identificação. Foi aí que vi levantar-se da penumbra de uma saleta contígua o gigante.
Se o leitor conhece um homem forte, mas muito forte mesmo, imagine uma pessoa duas vezes mais forte, e terá uma vaga ideia desse gigante que veio andando até nós, botando ódio pelos olhos e espetacularmente bêbado. O monstro passou por mim com desprezo e, agarrando o empregado pela gola do uniforme, entrou a sacudi-lo e insultá-lo em sueco. Às vezes, éramos arrolados nessa invectiva, pois o gigante nos apontava enquanto dizia coisas. O empregado, demonstrando possuir um bom instinto de conservação, deixava-se sacolejar à vontade. Rosnando assustadoramente, o ciclope foi sentar-se de novo na saleta, onde só então dei pela presença de outro sujeito, também bêbado, mas sinistramente silencioso.
É hoje, pensei. Sair do meu Brasilzinho tão bom, fazer uma viagem imensa, para ser trucidado sem explicação por um bêbado. O fato de ser na Suécia, onde arbitrários atos de violência não são comuns, ainda tornava mais absurdo, um absurdo existencialista, o meu triste fim.
Indaguei do empregado o que se passava. Ficou mudo. Insisti na pergunta, e ele, sussurrando desamparadamente, explicou-me que o gigante estava a pensar: primeiro, que não conseguira vaga no hotel por ser sueco e estar embriagado; segundo, que nós conseguíramos por ser americanos, norte- americanos. Ora, se meu amigo de fato era meio ruivo, seu jeitão era mineiro; quanto a mim, se fosse americano, só poderia ser filho de portugueses. Por outro lado, o meu inglês amarrado não deixava a menor dúvida sobre a questão de ser ou não ser americano. Só mesmo um sueco bêbado em uma madrugada de neve e vento iria supor que fôssemos americanos. Mas agora era o próprio gigante que bradava para nós com sarcasmo e ira:
 - American! American!
Fiquei um pouco mais esperançoso, acreditando que ele falasse inglês, e disse-lhe, exagerando minha alegria e meu orgulho por isso, que não éramos americanos coisa nenhuma, éramos brasileiros.
Não entendeu ou talvez pensou que estivéssemos covardemente a renegar a nossa pátria, voltando a vociferar, em um esforço linguístico que contraía todos os músculos de seu rosto:
- American! Dollar! No like!
As palavras em si significavam pouco, mas a maneira de exprimi-las era de um eloquência que teria destruído Catilínia* muito mais depressa que os discursos de Cícero. Durante alguns minutos mantivemos os dois uma polêmica oratória nestes termos:
- American!
            - No, Brazilian!
            - American!
            - Brazilian!
           
Essa versátil discussão ia levar-me ao abismo, quando de súbito me pareceu que a palavra “Brazilian” havia penetrado por fim em sua testa granítica. Descontraindo os músculos, o gigante me perguntou:
            - Brazil?! No american? Brazil?
            Não tinha certeza se ele estava me gozando, mas sua expressão era tão estranhamente deslumbrada e infantil, que afirmei cheio de entusiasmo:
            - Yes, Brazil!
            Ele se levantou, cambaleou, aproximou-se, apontou meu amigo:
            - Brazil?
            - Brazil, Brazil.
            Veio chegando, sorrindo, em pleno estado de graça, e gritou com alma, como se saudasse o nascimento de um mundo novo:
            - Flamengo!! Flamengo!!
            Imediatamente, o gigante entrou em transe e começou a fazer problemáticas firulas com uma bola imaginária, mas dando a entender cabalmente o quanto ele admirava (admirava é pouco: o quanto ele amava) o malabarismo dos nossos jogadores. O gigante se desencantara, virando menino. A certa altura, depois de fazer um passe de letra, parou e confessou-me com um orgulho caloroso:
            - I Flamengo! I Rubens!
            Ele não era sueco, não era gigante, não era bêbado, não era um ex-campeão de hóquei (conforme soube depois), era Flamengo, era Rubens. Depois cutucou-me o peito, tomado de perigosa dúvida:
            - You! Flamengo?
            Que o Botafogo me perdoe, mas era um caso de vida ou de morte, e também gritei descaradamente:
            - Flamengo! Yes! Flamengo! The greatest one!



 

Ciclope era um gigante imortal da mitologia grega que possuía apenas um olho, no centro da testa e trabalhava como ferreiro com Hefesto. Segundo alguns, era filho de Urano e Gaia, os mesmos pais de Cronos, que você conheceu no início desta atividade.

         

CAMPOS, Paulo Mendes. Salvo pelo Flamengo. In: SANTOS, Joaquim Ferreira dos.
As cem melhores crônicas brasileiras. Rio de Janeiro:Objetiva, 2007. p. 115-6.

MÓDULO 2 – ORGANIZAÇÃO TEXTUAL

1) A crônica é quase sempre um texto curto, com poucas personagens, que se inicia quando os fatos principais da narrativa estão por acontecer. Por essa razão, o tempo e o espaço são limitados. Na crônica “A cadeira do dentista”:

a) Quais são as personagens envolvidas na história? Comente sobre elas.

b) Onde acontecem os fatos narrados?


c) Qual é o tempo de duração desses fatos?


2) Na crônica, os fatos podem ser narrados por um narrador-observador ou por um narrador-personagem. Qual é o tipo de narrador na crônica lida? Justifique com um trecho do texto.


3) Partindo de notícias veiculadas em jornais falados ou escritos ou em situações do dia-a-dia, o cronista pode representá-las com humor, reflexão crítica e sensibilidade.

a) Existe uma relação entre a situação vivida pelas personagens da crônica e a de nosso dia-a-dia? Justifique.
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b) Que objetivos o autor tem em vista: criar humor e divertir ou levar o leitor a refletir criticamente sobre a vida e os comportamentos humanos?
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c) Esta crônica chama a atenção do leitor? Justifique.


4) Observe a linguagem empregada na crônica em estudo.

a) Os fatos são narrados de forma pessoal, subjetiva de acordo com a visão do cronista, ou são narrados de forma impessoal, objetiva?



b) Esta crônica é mais literária ou jornalística? Por quê?


c) Que tipo de variedade lingüística é adotado na crônica: a variedade padrão formal ou a variedade padrão informal? Justifique sua resposta co um trecho do texto.

5) Troque idéias com seus colegas de grupo e concluam: Quais são as características da crônica?
Pessoal.
6) Baseando-se no texto Salvo pelo Flamengo, preencha este quadro com os elementos da narrativa:



Professor (a): Leve seus alunos a construírem que a crônica não é impessoal: o autor se coloca, opinando, posicionando-se diante dos fatos. São seus sentimentos que predominam


7) A crônica, em geral, é narrada em primeira pessoa, ou seja, o autor participa dos fatos como personagem. Cite, no mínimo, três passagens do texto que comprovem que o foco narrativo é em 1ª pessoa.
“Desde garotinho que não sou Flamengo...”
“É hoje, pensei.”
“Não tinha certeza se ele estava me gozando...”

8) Sabendo que a crônica fotografa um momento e a sensibilidade do cronista funciona como um “filtro”, que imprime singularidade ao retrato do fato. Se você tivesse de escolher um sentimento predominante nesta crônica, qual seria ele?
Pessoal.

9) Faça um resumo do enredo da narrativa Salvo pelo Flamengo.

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